quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Anotações do Caderno

Seguem as anotações do Caderno XXXV Livro Viajante - GABO II, segundo a ordem de leitura.

1. Edineide Oliveira

Recife/PE, 03 de setembro de 2016.

Neste sábado ensolarado, inicio as primeiras anotações sobre XXXV Livro Viajante “O Veneno da Madrugada – A Má Hora”, de Gabriel Garcia Marquez (Prêmio Nobel de Literatura em 1982). 

Trata-se de um romance Colombiano, traduzido por Joel Silveira, 14ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Record, 2014.

Consiste em uma narrativa, com 239 páginas, que se passa no povoado de Macondo, pelo menos esse é o nome sugerido nas páginas 64 e 55, respectivamente:

“O próprio Coronel Aureliano Buendia, que fora discutir em Macondo os termos da capitulação da última guerra civil, dormiu uma noite naquela varanda, numa época em que não havia nenhum outro povoado muitas léguas derredor. ”

“- O pároco que me sucedeu em Macondo – disse Padre Ángel.”

Inicialmente, ressalto a imensa quantidade de personagens, alguns mais relevantes do que outros, nenhum deles é aprofundado, mas todos parecem ter algo a esconder e a revelar. Segue abaixo uma lista com todos ou a maioria deles:

Personagens (humanos): Padre Ángel, Trinidad e seu tio, Pastor e sua mãe, Margot Ramírez, César Montero, o Alcaide, Dr. Octavio Giraldo (médico) e sua mulher, Juiz Arcadio e sua mulher, gerente/proprietário do cinema, Raquel Contreras, secretário do juizado, Juiz Vilela, Maria (cozinheira do hotel), Rebeca de Asís, Roberto Asís, Rebeca Isabel, Viúva Asís (do falecido Alberto Asís), Rosário de Montero e sua mãe, agente administrador dos correios, Adalgisa Montoya (uma das três damas católicas), Sr. Carmichael (contador), o barbeiro (Guardiola), Moisés (o sírio), Elias (o sírio), viúva Montiel, Dom Chepe Montiel (José Montiel), Coronel Aureliano Buendia, Dom Sabas, mulher presa (suspeita de colar os pasquins), rapaz enfermo, Dom Lalo Moscote (farmacêutico) e sua esposa paralítica, soldados (Gonzáles, Rovira, Peralta), o dentista e sua mulher, a filha Ángela, o telegrafista, a mulher da praga ao Alcaide, empresário do circo, Cassandra (espelho do futuro), Mamãe Grande (comunicação com o além), Dom Roque (dono do salão de bilhar), Sr. Benjamín, Mina (a mãe de Mina e a avó cega), Nora de Jacob e seu esposo Nestor Jacob, Pepe Amador e sua mãe, Toto Visbal, Mateo Asís.

Personagens (animais): os ratos (da igreja), a mula (de César Montero), galinha (do juizado), a tartaruga (almoço da viúva Asís), pássaros (em gaiolas), cachorros, gato e vaca boiando (mortos), urubus, leopardo do circo (Aristóteles), história dos burros, galos (cantando), patos, perus.

Espero não ter esquecido nenhum! J

Bom, em cada capítulo do livro, apesar de alguns personagens relevantes, como o Padre Ángel e o Tenente Alcaide (poder religioso x poder político), percebe-se um foco coletivo, passando pela descrição dos primeiros movimentos dos habitantes e, de forma descontínua, o que se passa no pequeno povoado calorento e esquecido; seja durante o dia ou, especialmente, na madrugada onde tudo pode acontecer.

Quando anoitece, a escuridão toma conta e os ruídos desaparecem. Os personagens então dormem, sonham, transam (pág. 29 - Juiz Arcadio e sua insaciável mulher), embriagam-se, choram, tem alucinações, enlouquecem ...

E é justamente na madrugada que, misteriosamente, alguns papéis começam a ser colados porta a porta, revelando segredos de família, traições amorosas, romances escusos, filhos bastardos, aborto, assassinatos, dentre outros. Esses pasquins anônimos (escritos a pincel, em tinta azul, letra de imprensa, mistura sem nexo de maiúsculas e minúsculas, com erros aparentemente propositais), que infelizmente o autor não transcreveu nenhum deles, informam fatos ou boatos da vida privada. Na verdade, as informações são de conhecimento de todos, mas que agora se tornam públicas, como se pode notar em alguns dos diálogos da narrativa: 

Juiz Arcadio, após tomar analgésico para dor de cabeça e beber a cerveja diretamente da garrafa “- Mas para que o trabalho de colar um pasquim a respeito disso. Todo mundo sabe da coisa.” (Pág. 31) “Não revelaram nenhum segredo: nada neles se dizia que já não fosse de domínio público.” Páginas 87-88.

Para o Dr. Octavio Giraldo, “- Essa foi sempre uma característica dos pasquins. Dizem o que todo mundo sabe, e quase sempre o que dizem é verdade.” Pág. 120

A mãe de Roberto Asís (viúva do falecido Alberto Asís), responde ao filho que “na sua idade se acredita em tudo” (pág. 41), ao ser indagada sobre o que escreveram no Pasquim. Contudo, sobre o que foi escrito (que Rebeca Isabel não é filha de Roberto Asís), sentencia “ Os pasquins não são o povo”. Respondeu Roberto Asís “– Mas eles só dizem o que estão falando [...] Mesmo que a gente não saiba”. Pág. 42

O velho e pobre Padre Ángel deu sua opinião ao Dr. Giraldo sobre os pasquins: “eu diria que são obra da inveja que têm de um povoado exemplar.” E repetiu pela segunda vez no dia “não se deve dar às coisas uma importância que não têm. – Como o senhor pode saber, Padre, que não há nada de verdadeiro nos panfletos? – Eu saberia através do confessionário. O médico encarou-o friamente nos olhos. – Será ainda mais grave se o senhor não o souber através do confessionário. ” Pág. 123 

Os pasquins são “um sintoma de decomposição social – disse o Sr. Benjamin. – É um sintoma de que, mais tarde ou mais cedo, tudo se sabe – disse o dentista, com indiferença. ” Pág. 144-145

O alcaide para o Padre Ángel: “- Pois devia saber. Afinal, não devem existir novidades para o senhor.” Pág. 150.

Em virtude do Pasquim colado na porta de César Montero, denunciando a infidelidade de sua esposa Rosário de Montero com o Pastor, que tocava clarinete diariamente às cinco, vem o primeiro assassinato.

Neste momento inicial do livro, algumas passagens me chamaram atenção: 

1. Páginas 06, 07 e 08 - o pobre Padre Ángel, na igreja infestada de ratos, preparava-se para celebrar a missa, e entoava a nova canção do Pastor “O mar crescerá com as minhas lágrimas, este barco me levará até teu sonho”, que chamou de cançãozinha idiota (música boa, mas letra idiota);

2. Sobre a noite anterior e a serenata que alguém fizera, Trinidad diz ao Padre que “- Pastor não estava com os que fizeram a serenata” à noite; e que houve algo melhor do que a serenata “- Os pasquins ... e soltou uma risadinha nervosa”;

3. Página 09 - César Montero sonhava com os elefantes que viu no cinema, quando acordou no momento em que soava o segundo toque da missa. Enquanto calçava as botas de montar, começou a ouvir o clarinete do Pastor;

4. Páginas 10 e 11 – “Mas sua esposa não o escutou, extasiada com a melodia de Pastor. [...] Ela acompanhava, cantando em voz baixa, a melodia de Pastor. – Ficaram repetindo essa canção a noite inteira – disse ele. – É muito bonita – disse ela. [...] Desenrolou uma fita da cabeceira da cama, recolheu o cabelo na nuca e suspirou, completamente desperta: - ‘Ficarei em teu sonho até a morte’. Ele não lhe prestou atenção. ”

5. César Montero ao sair, viu o papel pregado na sua porta, leu sem desmontar da mula (o texto escrito a pincel, grosseiras letras de imprensa), “levou a mula até a parede, arrancou o papel e rasgou.” Pág. 12

O assassinato do Pastor naquele quatro de outubro, terça-feira, despertou a todos: inclusive o Alcaide, bochecha inchada e um pouco de febre, que tentava adormecer, após tomar o oitavo analgésico no primeiro toque da missa, e que fez ceder a dor de dente (pág. 14).

Muitos correram até a praça, ainda com roupa de dormir. O povoado ficou agitado.

O narrador não revela o conteúdo do pasquim, mas sugere que seja o adultério entre Rosario Montero e o tocador de clarinete Pastor. Todavia, agora me passou a possibilidade de estar escrito tão somente que o amante seria a pessoa que fez a serenata. Ora, somente assim justificaria o comentário de Trinidad ao Padre Ángel de que o Pastor não havia participado da serenata. E também justificaria o fato de a canção do Pastor ter sido repetida a noite inteira na serenata.

Suposições à parte, o certo é que a viúva de Asís, em diálogo com seu filho Roberto Asís, disse: “- Nem tudo que dizem é verdade. – Todo mundo sabe que Rosário de Montero dormia com Pastor – disse ele. – Sua última canção era para ela. – Todo mundo dizia isto, mas ninguém sabia ao certo – respondeu a viúva. – E agora viu-se que a canção era para Margot Ramírez. Os dois iam se casar e somente eles e a mãe de Pastor sabiam disso. ” Pág. 42

Apesar da aparente ordem social vivida no povoado, todas as mazelas começavam a despontar a partir dos pasquins colados na madrugada, independentemente da veracidade do que fora veiculado. E a evolução dos acontecimentos, iniciado com o disparo no amanhecer, refletirá na reação das personagens ao longo da narrativa. 

O padre, por exemplo, em um primeiro momento recusa-se a encarar a realidade “- Atravessamos um momento político difícil, mas a moral familiar vem se mantendo intacta” Disse Padre Ángel (na pág. 54); enquanto o alcaide insiste em demonstrar que as coisas tinham mudado em relação ao regime anterior. “- Este é um povoado feliz.” Pág. 106

Os pasquins, por sua vez, representam uma contraposição às narrativas do poder, e possuem uma ação destruidora tanto quanto a luta pela autoridade, através de fragmentos produzidos por, talvez, múltiplos autores.

Eu confesso que fiquei super curiosa com a carta escrita pelo Padre Ángel, na qual ele demonstra preocupação com o rumo dos acontecimentos, mas se desconhece quem seja o destinatário (o autor omite esse detalhe). “O Padre Ángel escreveu no envelope o nome e o endereço do destinatário, fechou o tinteiro e ia dobrar a carta quando, súbito, voltou a ler o último parágrafo. Então, tornou a destampar o tinteiro e escreveu na carta este P.S.: Está chovendo novamente. Com este inverno e as coisas que lhe contei acima, creio que nos esperam dias amargos. ” Páginas 27/28

Engraçado que, com as damas católicas, o Padre Ángel ameniza sua preocupação: “não devemos prestar atenção à voz do escândalo.” Para as duas damas católicas, “parecia-lhes que aquela calamidade iria provocar funestas consequências. ” Pág. 51. Para Rebeca de Asís, “acreditamos que com esses pasquins todo seu trabalho estará perdido”. Para a única mulher que havia permanecido em silêncio, “acreditamos que o país está se recuperando, e que esta calamidade de agora pode se transformar numa inconveniência. ” Pág. 53 

Agora, com uma postura mais enérgica, o Padre Ángel recorre ao alcaide e pede que ele cumpra com o seu dever, faça algo sobre os pasquins, antes que chegue a missa de domingo: “O povoado está tranquilo, as pessoas começam a ter confiança na autoridade. Neste momento, qualquer manifestação de força seria um risco muito grande por uma coisa sem importância.” Pág. 151

Esta interferência do pároco, neste momento da narrativa, ao meu ver, foi desencadeada, principalmente, após a conversa com a viúva Asís, quando esta pede ao Padre Ángel que se refira aos Pasquins no sermão de domingo, para fazer com que o filho Roberto Asís reflita melhor. “-Impossível – exclamou. – Seria dar às coisas uma importância que não têm. – Mas nada é mais importante do que evitar um crime. – A senhora acha que ele chegará a tal extremo? – Não só acredito – disse a viúva – como estou também segura de que eu própria não teria forças para impedi-lo” página 115 

Na verdade, o Padre Ángel prepara um sermão em que deveria falar dos pasquins, mas falha na sua missão e acaba por não tocar no assunto. “Falou durante dez minutos. Tropeçando nas palavras, surpreendido por um tropel de ideias que não cabia nos moldes previstos, percebeu a viúva Asís rodeada de seus filhos. [...] Padre Ángel terminou o sermão sem se referir diretamente aos pasquins.” Pág. 181

O secretário do juizado, em conversa com o juiz Arcádio, em sua primeira vez após onze meses de sua posse, não acredita que os pasquins sejam apenas uma brincadeira. “- Por causa deles já houve uma morte. Se as coisas continuam assim, vamos ter uma época muito má. ” Pág. 36

A viúva Montiel em diálogo com o Sr. Carmichael sobre a vaca morta encalhada: “-Agora chegamos realmente ao fim. Só nos resta deitar numa sepultura, no sol e ao sereno, até que a morte venha nos buscar. –Há anos que nos queixávamos de que nada acontecia neste povoado. De repente começou a tragédia, como se Deus tivesse resolvido que deveriam acontecer de uma só vez todas as coisas que durante anos haviam deixado de acontecer. – Quando a chuva passar, as coisas ficarão melhores – disse o Sr. Carmichael. – A chuva não passará nunca- prognosticou a viúva. – As desgraças nunca chegam sozinhas.” Página 109-110

Para o secretário do juizado: “-É muito difícil – disse finalmente. – A maioria dos pasquins é arrancada antes do amanhecer. –Esse é outro truque que eu não entendo – disse o Juiz Arcadio. – A mim não me tiraria o sono um pasquim que ninguém lê.” O secretário respondeu: “- O que tira o sono não são os pasquins, mas o medo dos pasquins.” Pág. 87-88

Na barbearia, outra narrativa me deixou perplexa, quando o barbeiro (Guardiola) disse: “sempre pensei que o senhor é um homem que sabe que um dia irá embora, e quer ir-se.” Ao puxar a toalha do pescoço, deslizou para o bolso da camisa do juiz uma folha de papel mimeografado. “– Neste povoado e neste país, vão acontecer coisas.” Então o juiz tirou o papel do bolso, após verificar se estavam sozinhos e começou a ler. O barbeiro citou de memória: “-Dois anos de discurso. E, no entanto, continua o mesmo estado de sítio, a mesma censura à imprensa, os mesmos funcionários.” O Juiz voltou a guardar o papel no bolso e o barbeiro ressaltou: “Eu nada sei a respeito desse papel...” já no salão de bilhar, o Juiz Arcadio jogou o papel clandestino na latrina. Após, encheu meio copo, passou a beber sem pressa e disse a Dom Roque: “- Vai haver encrenca.” Página 206-208.

Outro aspecto que me chamou atenção foi a censura imposta pelos toques do Padre Ángel no que se refere ao cinema. Ele fazia soar doze toques sempre que o filme não fosse próprio para todas as idades, inclusive possuía uma longa lista com a classificação moral, que recebia todos os meses pelo correio (pág. 26).

O proprietário do cinema desabafa com o tenente alcaide que “todos os domingos, quando da missa principal Padre Ángel começou a apontar do púpito e a expulsar da igreja as mulheres que durante a semana haviam desobedecido sua proibição.” Pág. 125. 

Aqui, dá a entender que os homens desobedientes e presentes na missa não eram expulsos. Como não podia deixar de ser, um povoado em que predominavam o autoritarismo, a censura e o machismo! Esta foi a minha percepção?

Voltando à investigação sobre a autoria dos pasquins, a narrativa nos leva a pensar – do início ao fim -, de que não seria apenas uma pessoa responsável pelas denúncias anônimas. Senão vejamos:

Para o juiz Arcadio, que tratava as persistentes dores de cabeça com analgésicos e cerveja, diz que os pasquins não são obra de uma única pessoa e aposta com o escrivão que vai descobrir os seus autores. Pág. 37 – “Aposto como eu vou descobrir – disse o juiz. - Apostado. ” 

Pág. 167 – “os panfletos não eram obra de uma só pessoa nem obedeciam a um plano estabelecido. E alguns, nos últimos dias, apresentavam uma nova modalidade: eram desenhos. – Pode ser que não seja um homem nem uma mulher. Pode ser que sejam vários homens e várias mulheres, cada um atuando por conta própria.”

“- Se ao menos se soubesse quem os coloca. – Quem os coloca, sabe – disse o dentista”. Pág. 147

O tenente alcaide apela até para Cassandra (a mulher do circo que advinha o futuro), pois quer saber quem é o responsável pelos pasquins. Só que ela se antecipou e já havia colocado as cartas. “- Já o fiz – disse. – Quem é? – É todo o povoado e não é ninguém.” Pág. 176-177

Toda essa investigação empreendida pelo alcaide serve apenas como pretexto para imposição do governo, através do estado de sítio, de um plano particular de corrupção, autoritarismo e enriquecimento a curto prazo. Uma estratégia disfarçada de toque de recolher, das 20 horas às 05 horas da manhã, na tentativa de descobrir o autor dos pasquins (ou encontrar um bode expiatório como aconteceu na história).

Em vários trechos da narrativa é possível perceber atos de intolerância, violência e corrupção por parte do tenente Alcaide:

Quando pessoas transladavam as casas para terrenos mais altos, fugindo da inundação e lama ocasionadas pela chuva constante, o alcaide logo percebe uma oportunidade em ganhar com a desgraça alheia. Não se enganem, pois ele não queria ajudar verdadeiramente aquelas pessoas, senão vejamos: “- Lá em cima, num terreno que Dom Sabas nos alugou por trinta pesos. [...] – Levem essas casas com todos seus trastes para o terreno baldio, junto ao cemitério. – São terrenos da prefeitura e não custam nada a vocês – disse o Alcaide. – O Município lhes dá de presente. – E digam a Dom Sabas que eu mando lhe dizer que não seja bandido.” Pág. 65.

As reais intenções do tenente alcaide aparecem apenas na página 140, quando pede ajuda ao Juiz Arcadio, a fim de resolver seu problema. “Devido às inundações, a gente do bairro baixo transportou suas casas para os terrenos que ficam por trás do cemitério, que são de minha propriedade. Juiz Arcadio disse: “o município adjudica os terrenos aos colonos e paga a indenização correspondente a quem provar que eles são de sua propriedade. – Eu tenho as escrituras – disse o alcaide. O município paga.” O próprio alcaide pode nomear perito para fazer a avalição. Página 140

Quem seria o bandido? Dom Sabas ou o tenente Alcaide? Ou ambos?

O alcaide demonstra o poder do governo, com toda a sua violência, quando invade a casa do dentista (inimigo do governo e único sentenciado à morte que não abandonou sua casa). Ao invés de pedir ajuda ao dentista por causa do dente que está doente, leva consigo três soldados armados (González, Rovira e Peralta), colocam a porta abaixo, fazem busca minuciosa por armas, até que o dente do alcaide é extraído. Após o dentista localizar o dente molar doente do Alcaide, segurou o algodão embebido com liquido cor de ferro, e com as pinças “tapou o buraco onde antes era o dente. [...] tudo havia terminado.” Páginas 75-81

Após a invasão à casa do dentista e retirada do dente doente do alcaide: “Agora as coisas estão mudando, a oposição conta com garantias e todo mundo vive em paz. Apesar disso, você continua agindo e pensando como um conspirador. [...] – Sua atitude prejudica o povo – prosseguiu o Alcaide.” Páginas 80-81

Na passagem que narra a chegada do circo ao povoado, o empresário diz o seguinte: “É um espetáculo completo, para crianças e adultos”. Seu interlocutor: “Isso não basta. É preciso que seja próprio também para o Alcaide”. Página 107

O Alcaide também demonstra “indignação” ao ver o letreiro pregado na parede da barbearia. “É proibido falar de política”, diz um letreiro pregado na parede da barbearia. - Quem o autorizou a pôr isso? - Perguntou o alcaide, apontando para o letreiro. - A experiência – disse o barbeiro. - Aqui o único que tem direito de proibir qualquer coisa é o Governo – disse. – Estamos numa democracia. – Ninguém pode impedir que as pessoas manifestem suas ideias – prosseguiu o alcaide, rasgando o aviso. - A diferença entre antes e hoje – disse – é que antes eram os políticos que mandavam e agora quem manda é o governo” Páginas 137-138. Na verdade, o Alcaide se sente o dono do povoado de Macondo. 

O empresário do circo, na hora do embarque, saudou o tenente alcaide “- Aí lhe deixo seu reino.” Página 219


Em mais uma prova do seu autoritarismo, o alcaide determina que: “Falo sério – disse o alcaide, dando à voz um tom autoritário. – esta tarde, às seis, os reservistas de primeira categoria devem apresentar-se no quartel. – É apenas por dois ou três dias. – O melhor é que vou entregar fuzis a todos ”, mas apenas cartuchos de festim, sussurrou no ouvido do juiz Arcadio. Página 159-160.

Pepe Amador é preso por distribuir papéis na rinha de galo. O alcaide disse ao soldado: “-cuide desse rapaz. Trate de convencê-lo a dar os nomes daqueles que estão trazendo para o povoado a propaganda clandestina. Se não o conseguir por bem – acentuou -, trate de arrancar-lhe a confissão de qualquer maneira.” Páginas 192-193

O Padre Ángel e o médico Dr. Giraldo: “Acabaram-se as brincadeiras. Estamos em guerra, doutor.” Página 235

Pepe Amador com o rosto desfigurado pelos golpes e sem comer. O alcaide ordenou que lhe dessem comida, deixassem-no dormir e continuassem o trabalho de “até que ele cuspa tudo que sabe.” Página 222.

O Sr. Benjamín, após receber o pagamento de oito pesos da mãe de Pepe Amador, voltou ao telégrafo e devolveu a folha de papel selado, na qual escreveria o requerimento em favor de Pepe Amador, pois “Já não preciso mais dela. Acabam de matar Pepe Amador”. Página 227-228

Vê-se que as coisas no povoado continuam como sempre foram...O país, dizia-se que fazia pouco tempo saíra de um cenário político tenso, onde as pessoas eram exterminadas por suas crenças e ideologias, e o governo imposto à força. 

Para Toto Visbal “– Dizem que tudo continua como antes. Mudou o governo, que prometeu paz e garantias, e a princípio todo mundo acreditou. Mas os funcionários continuam sendo os mesmos.” Pág. 198

Embora a situação política não tenha sido bem explicada, é possível ter uma noção do que se passava na narrativa.

Enquanto o Alcaide almoçava no refeitório do Hotel, ouviu-se um noticiário no rádio sobre citações do pronunciamento presidencial, acompanhado da “leitura de uma nova lista de artigos cuja importação ficava proibida.” Pág. 64.

Na barbearia, em um diálogo com o Sr. Carmichael, o barbeiro responde: “- No país só restam os jornais do governo, e estes não entram neste estabelecimento enquanto eu for vivo. [...] O abandono em que nos deixaram também é perseguição. – Deixar-nos por conta de Deus é também uma maneira de dar paulada.” Aviso pregado na parede do fundo da barbearia: “É proibido falar de política”. Páginas 59/62

Nas últimas eleições, a polícia destruiu os registros eleitorais do partido oposicionista, por isso a maioria dos habitantes do povoado precisava de documentos de identificação (pág. 84-85). As pessoas “sem nome”, que transportavam suas casas, precisavam que o oficial de registro civil, já nomeado, fosse chamado pelo alcaide, assim como fosse nomeado um representante do Ministério Público.

“- Os funcionários eram nomeados pelo Conselho Municipal – explicou o Juiz Arcádio. – Como não existe mais conselho, o regime de estado de sítio o autoriza a fazer as nomeações. O Juiz Arcadio insistiu: era um recurso de emergência dentro de um regime de emergência. – Me parece certo – disse o Alcaide.” Página 85

O secretário disse, após o tenente Alcaide se afastar: “- Está louco. Não tem um ano e meio que rebentaram a pauladas a cabeça do último procurador, e ele agora quer encontrar outro que o substitua. ” página 86

Quando acabou a instalação da última casa na rua que acabava no muro do cemitério, o Alcaide, sem ser convidado, serviu-se de um prato de sopa. E, neste momento, eu amei a praga da mulher “sem nome” ao tenente: “Deus queira que tenha uma indigestão – disse a mulher, sem encará-lo. - Até quando vocês vão continuar assim? – perguntou o alcaide. Sem alterar a expressão apagada, a mulher disse: - Até que nos ressuscitem os mortos que mataram. - Agora é diferente – explicou o Alcaide. – O novo governo preocupa-se com o bem-estar dos cidadãos. Vocês, no entanto... A mulher o interrompeu: - Tudo continua a mesma coisa... [...] Este era um povoado decente antes que vocês chagassem. – Aqui será ainda pior. Com o cemitério ao lado nos lembraremos de vocês sempre que lembrarmos os nossos mortos.” O Alcaide chamou de mal-agradecidos “Estamos lhe dando terra de presente e ainda se queixam.” Páginas 89-91

Já com o dentista, quando este convidou o alcaide novamente para ir a sua casa “- Venha quando quiser, pois assim, quem sabe, posso satisfazer o meu desejo de vê-lo morrer em minha casa. O alcaide lhe deu uma palmada no ombro. – Nada disso – comentou com bom humor [...] Meus dentes estão acima dos partidos políticos.” Pág. 94

Assim, em meio a tantos “mandos e desmandos”, a narrativa do povoado continua e os personagens definham.

A viúva Montiel enlouquece e aguarda ansiosa a morte. Em sua comunicação com o além, quando encontrava a Mamãe Grande pelos corredores da casa sombria de nove quartos: “Quando é que vou morrer” página 113.

O alcaide impõe sua vontade com muita força e enriquece com isso.“- Não há favor que não custe dinheiro a quem o tem – disse o alcaide.” Pág. 98

César Montero resumiu seu pensamento ao Alcaide “- Quanto é? A resposta foi imediata: - Cinco mil pesos em bezerros de um ano. – E mais cinco bezerros – disse César Montero – para que você me mande esta noite mesmo, depois do cinema, numa lancha especial.” Pág. 101

O barbeiro Guardiola convive com o medo constante de morrer.

“- Se alguma vez eu tivesse me enganado a respeito de uma pessoa – disse o barbeiro -, há anos que já teria morrido furado de balas.” Pág. 207

O juiz Arcadio me surpreendeu, eu confesso, quando ele foge do povoado e deixa sua mulher grávida. Por esa eu não esperava e até tive que reler para ter certeza de sua fuga. O que havia no papel do barbeiro? 

Percebe-se no diálogo da página 166 que o Juiz Arcadio era contrário ao decreto, seja por considera-lo ineficaz ou por acreditar que assustava as pessoas do povoado. “ – Na verdade – refletiu o Juiz Arcadio, depois de se inteirar dos pormenores -, está concebido em termos drásticos. Não era necessário. –E o mesmo decreto de sempre. – Certamente – admitiu o juiz. – Mas as coisas mudaram, e é preciso que os termos também mudem. O povo deve estar assustado.” Mais tarde, o juiz comprovou que o decreto ratificou o que estava na consciência coletiva “as coisas não haviam mudado.” 

O alcaide de um modo cortante disse ao juiz arcadio “- Não vou lhe dar o salvo conduto. Compreende? – Juiz! Não teve resposta. – Continuamos amigos – gritou o alcaide. Também dessa vez não teve resposta.” Pág. 190

A mulher do juiz, perturbada pelo humor denso da gravidez, respondeu ao Alcaide que o Juiz Arcadio “- Foi embora. – Para onde? – Quando ele foi embora? – Duas noites atrás – disse a mulher. O Alcaide precisou de uma longa pausa para pensar. – Poderá esconder-se cinquenta metros debaixo do chão; [...] O governo tem o braço comprido. ” Pág. 232.

Aos poucos a cidade vai ficando abandonada e os que ficam estão apreensivos.

“- A continuar assim – suspirou o alcaide, vamos acabar pedindo gente emprestada aos outros povoados.” Em uma semana, cinco famílias já tinham deixado o povoado, segundo o sírio Moisés. Página 221

Se são fatos ou meros boatos, não se sabe ao certo! Uma coisa, no entanto, a narrativa deixou claro: que quando a moral de uma pessoa é ofendida, pode-se esperar o pior dela, e nem os padres ou tenentes podem impedir suas reações.

Não ficou demonstrado se Pepe Amador foi o autor de fato e isolado dos pasquins. Alguns mistérios permaneceram inalterados e sem detalhamento. 

Aí está, disse o Alcaíde. “– Acabou a porcaria dos pasquins. – Prenderam o culpado? Perguntou Mateo Asís. – Ainda não. Mas acabo de fazer a última ronda e posso assegurar que hoje, pela primeira vez, não apareceu colado um só papel.” Pág. 201 e 202. 

O final da história... bem, confesso que fiquei um pouco desapontada nas últimas páginas. Um desfecho trágico com a morte de Pepe Amador, pelas mãos dos próprios soldados, mas, ao que me parece, seria apenas um rapaz inocente flagrado na posse de panfletos da oposição. 

Padre Ángel comprovou que “Ninguém falava mais dos pasquins. No fragor dos últimos acontecimentos, eles já eram apenas uma pitoresca anedota do passado.” Pág. 237

Para mim, a frase do secretário do juizado fechou a narrativa com chave de ouro: “- A melhor virtude de um homem – disse – é saber guardar um segredo. ” Página 225

Não sei ao certo o que aconteceu nas entrelinhas, mas diante dessa multiplicidade de narrativas, estado de sítio, a autoridade de um corrupto sobrepondo-se à história dos pasquins, prisão e morte de um provável inocente, entendo que muitos nós permaneceram indecifráveis.

O autor conseguiu, inequivocamente, manter inalterada a sensação de suspense e mistério, aliada à curiosidade e incerteza do leitor ou leitora.

Definitivamente, esta obra contraria a ideia de que um livro termina na última página.

Dica de filme

O longa-metragem nacional, produzido em 2005 e lançado em 2006 pela UNIVERSAL PICTURES, chamado de “O veneno da Madrugada”. Uma adaptação do livro de Gabriel Garcia Marquez, com direção de Ruy Guerra.

Eis a minha contribuição carinhosa e dedicada!


P.S.: segue o link do filme para quem quiser assistir, pois é super interessante!



2. Bianca Lua


3. Janaína Couvo


4. Juliana Fernandes


5. Eduardo Hernandes


6. Geovani Moreno



7. Alana Rodrigues


8. Julio Marcandalli



9. Priscila Lima


10. Ariana Cunha


11. Leila Cardoso


12. Fernanda Souza

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